O meu caderno de desabafos. O meu diário. O meu espaço de catarse; de psicanálise. O meu livro de reclamações. A minha janela para o mundo. Eu. O meu blog. As minhas excitações. As minhas frustrações. As minhas paixões. A vida. A minha, de quem me rodeia, a que eu vejo e sinto. Dentro da lâmpada. Dentro do Mundo.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

O Estado da Educação - III

Para reforçar a ideia que já tenho quanto ao importante papel dos pais na formação, nada melhor do que transcrever uma parte da correspondência trocada entre a professora referida no post anterior e o autor do livro «Lavrar o Mar»:

«(...) Nos tempos que correm as crianças vivem dentro de aquários. Fechadas e em redondo. Não brincam na rua ao apanha, não fazem recados, não trepam às árvores, não pilham da porta da mercearia do lado uma guloseima, não brincam aos médicos e às injecções escondidas nos arbustos, etc. Não se confrontam entre si e com os outros. Não descobrem os seus limites. Numa palavra, não se socializam capazmente.
É tão triste olhar hoje para esses quadrados a que chamam parque infantil e observar. Para cada criança há um adulto a controlar. A controlar tudo, até a conversa entre elas. Às vezes dois adultos por criança. São mais adultos que crianças.
Os obstáculos que lá estão colocados são de uma mariquice extrema. Um escorrega mini, uns cogumelos mini de borracha, a uns 30 centímetros do chão, para saltar, uns degraus mini para subir e descer. Tudo mini. Tudo reduzido. Trabalho corporal reduzido, dificuldades de pericia para superar reduzidas, treino do «desenrasca» reduzido. Zero de confronto e cooperação entre os miúdos.
Para ali andam sem estímulo á inventiva, não chegam sequer a montar um jogo de grupo. Não têm qualquer hipótese de transgressão saudável para aprender a medir. Não há descoberta das regras da vida em grupo. Todos absolutamente controlados pela paranóia da segurança.
Cá para mim são uma espécie de campos de concentração. Já não há lazer espontâneo, por conta própria, nem escola da vida.
O mundo tornou-se um lugar perigoso, diz-se. Há droga por todo o lado, doença em qualquer objecto e o nosso semelhante é sentido com desconfiança. O outro pode ser um raptor ou, pior ainda, um violador. Portanto, as crianças não aprendem nem treinam a liberdade e os seus limites. Há hoje todo um clima securitário que envolve excessivamente as crianças que não augura nada de bom. Digo eu.
Portanto vivem blindados e sedentariamente. Tornam-se inibidos, inseguros, «fracalhotes», mas com frequência obesos. Socializam-se passivamente. Vêem televisão e por ela são excitados na energia vital que possuem e não aplicam.
Vão para as creches ou jardins-de-infância onde cada vez mais se escolariza na ilusão patética de que isso é intelectualmente positivo. Nada mais errado.
A estrutura e a vivência da família tomaram outros rumos?!... Não estamos juntos, não há trocas, os papéis parentais não podem ser plenamente assumidos. Os pensamentos fundadores e a linguagem fundadora não dispõem de tempo para acontecer e cumprir o seu papel.
Noutros casos, a desorganização familiar instalou-se, as crianças não têm referentes claros e estruturadores. Os adultos à sua voltam não permanecem. Sucedem-se. Uns dão lugar a outros num permanente carrossel. A confusão instala-se. Não há modelos sólidos de identificação.
já todos estamos cansados de saber isso, embora façamos de conta.
Assim chegam à escola. Sem experiência integrada de liberdade e, meu amigo, a liberdade é o único caminho para a disciplina.
Bem pode a escola, justamente, gritar que os miúdos são mal-educados, que a escola já tem tarefas a mais e que não pode educar. Que compete à família educar. E por aí adiante.
Não há outro remédio, todos temos de educar. A escola também. Apesar de tudo, a escola ainda é o que os miúdos têm de mais seguro e estável.
»

A professora Eulália Barros simplesmente constata uma verdade nem sempre evidente para a maioria dos pais: quando em post anterior me referia às barbies e kens que sem dificuldade tropeçamos em qualquer centro comercial, vestidos com o rigor da moda imposta pelos adultos e déspotas na exigência, não mais reflectem um comportamento adquirido dos mais velhos.
São as crianças que não brincam de forma salutar, são as crianças que se isolam nos seus quartos onde não falta a TV, o DVD, a consola de jogos e o computador com a internet e que aprendem a interagir de forma virtual.
E porquê? Porque é mais fácil para os adultos contentá-los deste modo, porque exige menos disponibilidade de tempo e cria até a fácil ilusão de segurança e maior controlo sobre as suas actividades.
Esquecemo-nos do mais óbvio: um pequeno tombo pode prevenir quedas maiores e um individuo prevenido está muito mais preparado para enfrentar as adversidades.

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