O meu caderno de desabafos. O meu diário. O meu espaço de catarse; de psicanálise. O meu livro de reclamações. A minha janela para o mundo. Eu. O meu blog. As minhas excitações. As minhas frustrações. As minhas paixões. A vida. A minha, de quem me rodeia, a que eu vejo e sinto. Dentro da lâmpada. Dentro do Mundo.

terça-feira, setembro 12, 2006

O dia seguinte




Procurei fugir aos clichés de falar sobre o aniversário do 11 de Setembro, ser mais um a lamentar as mortes que levaram a esse dia e daí advieram, ou simplesmente referir sentimentos que sobrevieram ao olharmos para o monte de destroços, para as figuras empoeiradas que deles saíam, milagrosamente ainda com vida, ou até as faces de horror, pânico e incredulidade de quem presenciou a tragédia.
Também não irei falar de política, do conflito de sistemas, pensamentos, credos e modos de olhar a vida, o mundo e a própria morte, que existe entre o Ocidente, dito «civilizado» e um Oriente árabe dito «fanático». Não quero defender polémicas, como não quero entrar por teorias da conspiração ou apontar responsabilidades a um ou a outro lado, até porque os «lados» em confronto são também eles difusos, vastos e nem sempre bem identificados.
Assisti pela TV a alguns dos inúmeros documentários com que nos brindaram, uma panóplia vasta de maneiras de olhar e relatar o que nesse dia se passou e de como o mundo, mas sobretudo os americanos, mudaram a partir de 11 de Setembro de 2001, para já não se espantar tanto com Atocha ou com o atentado no metro de Londres.
Vivemos inevitavelmente dias de medo, consciente ou inconsciente, revelado ou escondido pela vergonha de o aceitarmos, de nos sentirmos condicionados, espreitando receosos sempre que algo sai fora da rotina, do «normal», nos inspira desconfiança e nos leva… ao medo de que algo de terrível nos aconteça. Vivemos, felizmente, num país onde isso não se pressente tanto, acreditamos até que se calhar «eles» nem sabem onde fica Portugal (ou mesmo que julguem que «somos» Espanha e como lá já «molharam a sopa»…), acabando por olhar com alguma incredulidade termos polícia armada até aos dentes em alguns locais, de conviver e aceitar que seja posta alguma restrição nos aeroportos, e, se nos descuidarmos, sermos olhados como potenciais homicidas/suicidas se tomarmos uma reacção mais brusca ou nos passearmos de mochila às costas em algumas capitais europeias.
Era isso, criar terror e desconfiança no Ocidente, que os atentados pretendiam e conseguiram. Restringiram a nossa liberdade, a liberdade de que o Ocidente tanto se orgulha e defende em contraponto ao que se passa «do outro lado» e conseguiram, sobretudo, outro feito: dividir o Ocidente, dividir a Europa e os Estados Unidos, dividir as Nações mais preocupadas com os seus interesses Geo-estratégicos, demonstrando a fragilidade da «nossa» civilização, cada dia mais oca de valores e de unidade, preocupada com conveniências e interesses próprios, tal Império que se desmorona por falta de cultura e educação, por falta de credo e amor nos seus valores, por estupidez, por mesquinhez, por ganâncias absurdas e imerso em ócio e futilidades em demasia.
Traçado este quadro negro — e nem era disso que me propunha falar —, um contraponto de esperança veio-me ao presenciar as imagens dos momentos, dos dias que se seguiram ao 11 de Setembro. Ao verificar como todos — brancos, negros, asiáticos, árabes, cubanos, japoneses —, inimigos de ontem e supostamente de agora, todos, se uniam num esforço e imenso e diversificado na procura, na busca, no resgate de corpos, vivos, feridos ou mortos, no choro, na consternação, na incredulidade…
Os homens e mulheres que, muitos deles, numa situação completamente diversa, seriam capazes de pegar em armas para se matarem, por acreditarem que o fariam por algo correcto ou levados a isso por meia dúzia de dementes ambiciosos, gananciosos ou simplesmente lunáticos, estavam ali, descomprometidos, desinteressados e preocupados em ajudar.
Confesso que via as imagens e ouvia os testemunhos mas na minha cabeça bailavam os acordes do «Imagine» de John Lennon

Imagine there's no countries,
It isnt hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people
living life in peace...

também ele assassinado por um louco por razões que ninguém consegue entender.
Mas ao olhar e desejar ser um deles, pensei como seria bom imaginar um mundo tão simples quanto o cantado por Lennon. Um mundo que todos nós desejaríamos, um mundo que todos nós queremos, desde que possamos continuar a invejar o vizinho, a destilar raivas sobre o clube de futebol do parceiro, a tramar o colega de trabalho, e a poder, volta e meia, portarmo-nos como seres violentos e irracionais.
O ser humano é deveras complexo sem dúvida. Mas posto isto, relido o que escrevi, uma imensa dúvida me assola: como será ele melhor, o ser humano? Despido de valores, fútil e dividido em credos, ou fanaticamente religioso, crente e devoto em ideais que, na realidade, nem sequer existem ou são diametralmente opostos aos que constam nos textos sagrados?

1 comentário:

Anónimo disse...

O que me fascina quando leio é que parece que te estou a ouvir falar. Concordo contigo: não dá para nos entendermos. Mas porque és tão pessimista às vezes?